03 de Julho de 2020

Matéria de ZH aborda ingresso de estudantes no Ensino Fundamental

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Educadores celebraram a decisão liminar (imediata e provisória) do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida na quarta-feira (1º), que proíbe a entrada de crianças de cinco anos no Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul. Não há efeito retroativo, isto é, crianças que já entraram na escola nessa idade não serão afetadas.

Na prática, o ministro Luís Roberto Barroso sustenta que o governo gaúcho não pode decidir algo que é de competência e que já foi decidido pelo governo federal. O ministro relembra que a Corte já havia determinado que o Ministério da Educação (MEC) tem poder constitucional para decidir que só entrem no primeiro ano do Ensino Fundamental os brasileiros que completarem seis anos até 31 de março do ano de ingresso.

A lei aprovada na Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Eduardo Leite começou a valer em 2020. O texto contraria a definição nacional ao permitir, sem obrigar, a matrícula no Fundamental de crianças que completem seis anos após 31 de março – portanto, liberando a entrada na sala de aula aos cinco anos.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), responsável por defender o governo judicialmente, afirmou na tarde desta quinta-feira (2) que está analisando a decisão para definir o melhor encaminhamento jurídico. A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informou que acatará a decisão.

Não havia base pedagógica nem jurídica para a proposta, defende Carmem Craidy, professora aposentada de Educação Infantil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das maiores autoridades gaúchas no tema. Ela comemora a decisão do Supremo.

— É incompreensível que um deputado estadual faça um projeto de lei nitidamente inconstitucional sobre um tema que o STF já tinha se pronunciado. Vamos respeitar a infância e deixar a criança ser feliz. Se o Fundamental fosse mais dinâmico, seria relativo discutir, mas, nas condições atuais, com o ensino engessado de hoje, não. As pesquisas vêm demonstrando que aprender antes não significa necessariamente aprender melhor. A partir de certa idade, mesmo as crianças que aprenderam antes ficam equiparadas às outras — afirma a educadora.

Brincadeiras e outras atividades da Educação Infantil ensinam e são essenciais para a criança, argumenta Carolina Velho, coordenadora da Educação Infantil no MEC em 2018 e 2019 e atualmente consultora para Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e Unicef, braço das Nações Unidas para a educação. Ela afirma que a definição de seis anos como idade mínima para entrar na escola já havia sido amplamente discutida e definida pelo Conselho Nacional de Educação.

— Já houve essa discussão lá atrás e agora voltou. A criança não está deixando de aprender porque não está no Fundamental. Ela até pode ter um estímulo e uma cognição a ponto de ler aos quatro anos, mas isso não significa que esteja apta emocionalmente e mesmo fisicamente a entrar no Fundamental. Se for assim, vamos permitir que um adolescente mais rápido na aprendizagem entre na universidade com 14 anos? — questiona.

Entendimento diferente adota Augusto Buchweitz, professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e especialista em desenvolvimento infantil, segundo o qual “não há evidência científica nenhuma de que haja prejuízo para a criança que comece o Fundamental com cinco anos”. Ele cita França, Noruega, Portugal, Espanha e Reino Unido como países que permitem a matrícula no primeiro ano antes dos seis anos.

— Tanto faz se a criança entrar no Fundamental com cinco, seis ou sete, o que temos que antecipar é o trabalho com conhecimento alfabético. É isso que vai ajudar a ler mais tarde. As evidências mostram que, quanto mais cedo começar a preparação para a leitura, melhores serão os resultados. O problema é que isso só acontece na creche e na escola particular para os ricos, onde desde cedo há contação de história e jogos com números — afirma Buchweitz, que é pesquisador do Instituto do Cérebro.

Entenda a briga jurídica
A ação julgada pelo STF atende a pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), movida após o governo Eduardo Leite abraçar um projeto do deputado estadual Eric Lins (DEM). — É injusto uma criança que faz aniversário em 31 de março ir para o primeiro ano e outra criança que faz em 1º de abril não ir — disse o parlamentar.

O Piratini aprovava a proposta: a secretária-adjunta da Educação, Ivana Flores, afirmou em documento enviado à Assembleia que a mudança respeita a “individualidade e maturidade de cada criança”.

A empreitada enfrentou a oposição de grande parte de educadores e órgãos jurídicos. Pelo lado pedagógico, eram contra o Conselho Estadual de Educação, o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) e a maioria de especialistas na área.

Do lado jurídico, a lei gaúcha foi criticada e apontada como inconstitucional por Procuradoria-Geral da República (PGR), Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Estadual – este chegou a recomendar que as prefeituras seguissem a norma do MEC, e não a do Piratini.

O Supremo já havia decidido, em 2018, que o Conselho Nacional de Educação tinha competência para determinar a idade mínima de entrada na escola. O órgão regrou que crianças brasileiras precisavam ter seis anos até 31 de março para entrar no primeiro ano do Fundamental.

O governo do Estado admite que a definição de idade mínima pelo MEC já foi julgada pelo STF, mas argumenta que a tese derrotada perdeu por apenas um voto de diferença.

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NOTA DO INSCER:

O pesquisador do Instituto do Cérebro do RS, Augusto Buchweitz, ainda faz um adendo em relação a esta discussão:

“Para não fomentar falas polêmicas, minha colocação não diverge das preocupações das educadoras entrevistadas. O ponto envolve entender que a discussão da idade de ingresso, por si só, é inócua. Ela deveria vir acompanhada de entendimento de (1) marcos do desenvolvimento (2) que habilidades e conhecimentos esperamos desenvolver na pré-escola e Ensino Fundamental e, mais importante ainda, (3) COMO esperamos desenvolver essas habilidades e conhecimentos. A discussão é mais profunda que a simples idade. Na Finlândia e países com ingresso aos 7 anos, habilidades e conhecimentos vêm sendo trabalhados desde antes. Enfim, a discussão é mais complexa e não vai se mudar a trajetória da aprendizagem com uma lei”.

Imagem de klimkin por Pixabay