22 de Julho de 2024

A idade do cérebro

Quais são os tipos de memória que registramos e que hábitos podem contribuir para o envelhecimento saudável do cérebro.

O envelhecimento é um processo natural. Enquanto alguns aspectos são mais visíveis, como a queda na produção de colágeno e a atrofia de músculos, outros são menos aparentes, mas têm um impacto direto na qualidade de vida e bem-estar das pessoas.  

Entre eles, está a redução do volume cerebral, que ocorre a partir da perda de neurônios e da diminuição de conexões entre células cerebrais, também conhecidas como sinapses. De acordo com a pesquisadora e coordenadora do laboratório de Cognição e Neurobiologia da Memória do InsCer, Cristiane Furini, alguns hábitos contribuem para o envelhecimento saudável do cérebro. “É preciso entender que esse é um processo muito heterogêneo.” 

De acordo com Cristiane, mesmo que seja um processo fisiológico comum, o declínio cognitivo após os 60 anos não é algo padrão. Hábitos como ler, estudar e se desafiar em relação a novos aprendizados contribuem para uma reserva cognitiva maior, minimizando aspectos como a perda de memória ou atenção. “A intensidade das consequências naturais do envelhecimento será menor”, revela. 

Mais saúde, mais vida, mais memória 

O desempenho físico e cognitivo de uma pessoa idosa está diretamente ligado ao estilo de vida que ela teve ao longo de sua história. O cérebro é um espelho do restante do corpo, e os mesmos fatores que prejudicam a saúde dos demais órgãos impactam no funcionamento do raciocínio, fixação de memórias e outros processos neurológicos”, explica a pesquisadora. 

Entre os motivos que alteram o desempenho cognitivo, estão: a má alimentação, a falta de exercícios físicos, o consumo excessivo de álcool e o tabagismo. “Exercitar-se regularmente melhora a vascularização, ou seja, a circulação do sangue no corpo, levando mais nutrientes ao cérebro. Os exercícios também estimulam o crescimento de novos neurônios e sinapses, além da produção de fatores neurotróficos, que são proteínas essenciais para o crescimento, desenvolvimento e sobrevivência das células nervosas”, explica a pesquisadora do InsCer. O exercício físico está diretamente relacionado ao que chamamos de plasticidade cerebral: a capacidade das células se conectarem umas às outras, formando novas conexões e caminhos a uma informação, dificultando o seu esquecimento. Caso um caminho seja perdido, ainda existirão outros capazes de levar à mesma memória.” 

Outros dois fatores elencados como fundamentais para o bom funcionamento das capacidades cognitivas são o sono e alimentação. “Parte do processo de fixação de nossas memórias ocorre enquanto dormimos. Por isso, é muito importante conseguir manter uma rotina de sono com as horas adequadas para cada faixa etária. Além disso, é durante o sono que o cérebro realiza uma ‘limpeza de resíduos’ produzidos ao longo do dia, e que já não têm mais utilidade”, informa Cristiane.  

No que diz respeito à alimentação, Cristiane explica o papel significativo do que o corpo absorve. “Para uma dieta adequada, precisamos ingerir legumes, verduras, grãos integrais, carnes magras e oleaginosas, que podem proteger o cérebro de processos inflamatórios. Devemos evitar ao máximo o consumo de açúcar, ultraprocessados e alimentos industrializados”

 

Cristiane Furini, pesquisadora e Coordenadora do Laboratório de Cognição e Neurobiologia da Memória do InsCer
Foto: Giordano Toldo | Ascom PUCRS

Efeitos do envelhecimento na memória 

Para entender como a memória é afetada, é preciso, antes, entender os tipos de memória que o cérebro registra. Cristiane cita alguns deles: 

Memória de trabalho
Diz respeito às informações retidas temporariamente por uma pessoa enquanto realiza uma tarefa. “Eu posso não lembrar a quinta palavra de uma frase dita anteriormente, mas lembro do contexto o suficiente para continuar a conversa”, exemplifica Cristiane.  

Memória episódica
Está relacionada a fatos e acontecimentos marcantes ao longo da vida de uma pessoa, como o nascimento de um filho ou uma formatura. “Este tipo de memória pode ser atingida com o envelhecimento, mas não necessariamente terá impacto significativo na vida das pessoas. A não ser em caso de doenças neurodegenerativas, quando o paciente acaba esquecendo o que fez durante o dia ou do que se alimentou”

Memória prospectiva
Esta é a capacidade de planejar o futuro, como a necessidade de lembrar de tomar um remédio, por exemplo. “Quando esta memória é afetada, é importante entender que ao utilizarmos de artifícios como alarmes ou lembretes, não estamos atrapalhando ou prejudicando, mas auxiliando o cérebro a registrar informações importantes sobre ações fundamentais do cotidiano para o nosso bem-estar” 

Memória de procedimento 
São ações aprendidas ao longo da vida, como dirigir um carro, utilizar talheres e atender o telefone. “Estas são as menos afetadas com o envelhecimento. Andar de bicicleta é um exemplo muito comum, pois dizemos que não se esquece. Podemos adquirir limitações físicas com o envelhecimento, mas não esquecemos de como realizar a ação.” 

Memória semântica 
É a memória que guardamos sobre conhecimentos gerais, como de história e geografia. “Ao contrário das demais, esse tipo de memória tende apenas a aumentar ao longo da vida. Quanto mais conhecimento uma pessoa adquire, mais conexões entre os neurônios são criadas, fortalecendo a memória”. 

 

As memórias de trabalho, episódica e prospectiva são os tipos mais afetados com o envelhecimento do cérebro; sua alteração é um sintoma comum em pacientes com doenças neurodegenerativas. O acompanhamento com médico geriatra e neurologista, além de atividades de reforço cognitivo, são fundamentais para um envelhecimento saudável do corpo e da mente.  

Contudo, a pesquisadora alerta: alguns fatores estão além do controle individual. “Existem diversas questões atreladas ao declínio cognitivo, entre elas a genética. O risco, claro, é muito maior se não nos prevenirmos. A medicina tem avançado muito nos últimos anos e a expectativa de vida das pessoas tem aumentado cada vez mais. É muito importante mantermos nosso cérebro ativo para um envelhecimento saudável.”